O MUTISMO SELETIVO E A CRIANÇA NO ENSINO FUNDAMENTAL: UM ESTUDO DE CASO NA CIDADE DE BOA VISTA
Patrícia
das Dores Lima Aragão [1]
Prof. Orientador Dr. Flavio Corsini Lirio [2]
RESUMO
Este artigo
expõe aspectos sobre uma deficiência denominada de mutismo seletivo. Trata-se
de um estudo de caso de tipo qualitativo, desenvolvido em uma unidade de ensino
fundamental da rede municipal de Boa Vista- Roraima. Utilizou-se a observação e
a análise documental como instrumentos de coleta de dados. O sujeito observado
foi uma aluna que apresenta um possível distúrbio denominado mutismo seletivo. Estudos
apontam que crianças que apresentam esse tipo de distúrbio começam a estudar a
partir dos três anos. Nesse contexto a escola converte-se em um espaço no qual
muito dos problemas de linguagem se apresentam, mas nem sempre os professores
estão preparados para detectá-lo e/ou considerá-lo como problema. Dessa maneira, o presente
estudo aponta para a ideia da invisibilidade do mutismo seletivo em sala de
aula.
Palavras-chave:
Mutismo
Seletivo; Criança; Escola.
________________________
[1] Graduanda do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal de Roraima.
[2] Doutor em Educação (Educação, Currículo, Epistemologia e História) pela Universidade Federal do Pará (2013). Professor Adjunto I da Universidade Federal de Roraima no curso de graduação em Pedagogia.
INTRODUÇÃO
O mutismo seletivo (MS) é considerado um distúrbio, no entanto ainda pouco investigado e compreendido como uma deficiência, sobretudo em ambientes em que o silêncio, em muitos momentos, é considerado uma qualidade e não necessariamente uma possível deficiência. Isso porque as pessoas que apresentam MS geralmente têm sua capacidade linguística preservada, compreendem o idioma falado e são capazes de falar normalmente em outros ambientes, como, no meio familiar onde são crianças que se comunicam normalmente com os pais, irmãos ou com pessoas que ela considera próximas de seu convívio.
É na escola que a maioria das crianças começa a ampliar seu
aprendizado e o seu convívio social. Observamos que nesse ambiente o
aparecimento desse distúrbio pode afetar negativamente e de maneira profunda a
auto-estima das crianças e o seu processo de ensino e aprendizagem.
O aluno que fica muito tempo calado em sala de aula
é considerado uma pessoa tímida e para diferenciá-lo desse comportamento e
avaliar que é um mudo seletivo, deve-se ter conhecimento sobre o assunto e
proceder procurando formas de estimular esse educando a interagir.
O professor não deve permitir que esse
comportamento se prolongue, uma vez que isso pode gerar traumas maiores e
consequentemente comprometer no aprendizado desse aluno, tanto na vida escolar
como em sua relação social. Neste sentido, percebe-se o quanto pode se tornar
grave esse distúrbio, devido a pouca informação ou conhecimento que a maioria
dos professores possuem em relação a ele.
Para aprofundar o assunto foi necessário buscar conhecimentos científicos sobre o MS. Dessa
maneira a pesquisa em tela baseou-se em referências como Coll et.
al. (2004), Peixoto (2013) e Silva (2011/2012).
Trata-se de uma pesquisa qualitativa
que de
acordo com Gil (2009) não constitui tarefa simples garantir os meios para
conferir precisão às medidas, pois exigi do pesquisador uma habilidade na
apresentação de uma descrição minuciosa dos resultados obtidos no trabalho de
campo.
O tipo de pesquisa utilizado foi o estudo de caso que é considerado um
dos mais adequados a uma pesquisa de cunho qualitativo. De acordo com Goldenberg
(2004,
p. 33/34):
O estudo de
caso reúne o maior número de informações detalhadas, por meio de diferentes
técnicas de pesquisa, com o objetivo de apreender a totalidade de uma situação
e descrever a complexidade de um caso concreto. Através de um mergulho profundo
e exaustivo em um objeto delimitado, o estudo de caso possibilita a penetração
na realidade social, não conseguida pela análise estatística.
A pesquisa é de natureza qualitativa a partir da
investigação de um objeto concreto e avaliado com base em uma prática social.
Considerando o sujeito de pesquisa importante no processo de investigação
apoiou-se nos seguintes instrumentos de coleta de dados: visita ao local
selecionado, observação do ambiente,
observação da aluna com MS em sala de aula, análise documental (dos relatórios da
professora e da fonoaudióloga), pesquisa bibliográfica sobre o assunto, entrevista
com a professora, registro das experiências vivenciadas individualmente e
coletivamente da criança em seu ambiente escolar.
Isso possibilitou uma melhor compreensão e esclarecimento sobre essa
temática tão intrigante. E dessa forma segundo Demo (1986, p.63):
A abordagem qualitativa realça os
valores, as crenças, as representações, as opiniões, as atitudes e usualmente é
empregada para que o pesquisador compreenda os fenômenos caracterizados por um
alto grau de complexidade interna do fenômeno pesquisado.
A observação da aluna em seu ambiente escolar possibilitou
conhecer a sua vivência e a sua interação social, tanto em sala de aula, como
fora dela e sua “forma de comunicação” com os seus pares e demais sujeitos. Essa
convivência permitiu identificar os indícios do MS apresentado pela criança no
espaço escolar.
Desse modo, delineou-se como o objeto de estudo a
seguinte proposição “a observação e caracterização de uma aluna que apresenta o
MS em sala de aula de ensino fundamental.” Como questão de investigação foi apresentada
a seguinte ideia: De que maneira o mutismo seletivo é percebido em sala de aula
de ensino fundamental e como esse comportamento pode influenciar no processo de
aprendizagem do aluno?
A partir
dessas observações gerais o presente artigo está organizado em três seções,
sendo: O mutismo seletivo de criança no ambiente escolar: aspectos conceituais
de uma síndrome pouco conhecida; A invisibilidade do mutismo seletivo como um
problema observado em sala de aula e Possíveis
métodos pedagógicos para amenizar os sintomas do distúrbio do aluno com MS em
sala de aula.
1.
O mutismo seletivo de criança no ambiente
escolar: aspectos conceituais de uma síndrome pouco conhecida
O MS é um transtorno que até hoje é pouco conhecido no Brasil.
Esse tipo de transtorno foi detectado pela primeira vez pelo médico alemão
Kussmaull, em 1877, referindo-se a pacientes que não falavam em algumas
situações, mesmo tendo habilidade linguística para fazê-lo. Esse problema foi
denominado de “afasia voluntária” [3], por lhe parecer uma
decisão voluntária de não falar (PEIXOTO, 2006).
Ribeiro (2012) relata que o psiquiatra Morris Tramet, em 1934,
utilizou a terminologia “mutismo
eletivo” para descrever um quadro clínico apresentado por um
sujeito considerado incapaz de falar em situações em que seria esperado que o
fizesse. O termo eletivo sugeria,
também, que havia uma decisão deliberada para não falar.
No entanto, a American
Psychiatric Association (DSM-IV, 1994) [4] mudou o nome desta disfunção
de “mutismo eletivo” para “mutismo seletivo” e de acordo com Coll [et. al.]
(2004, p. 79) significa que:
O Mutismo Seletivo é um transtorno pouco
frequente que se caracteriza pela ausência total e persistente da linguagem em determinadas
circunstâncias ou diante de determinadas pessoas, em crianças que adquiram a
linguagem ou a utilizam adequadamente em outros contextos ou em presença de
outras pessoas.
Dessa maneira,
acredita-se que a influência dos fatores ambientais e situações interpessoais
sejam de grande peso para o desenvolvimento do MS que pode ser deflagrado por
uma experiência negativa pela qual a criança passou como: uma violência física
ou verbal, ou uma grande decepção ou trauma (início escolar, sequestro,
violência, morte).
Ainda de acordo
com Coll (2004) todos esses fatores de alguma maneira estão relacionados à
separação drástica do cuidador da criança, ou a exposição da criança a uma
situação que a impacta negativamente e faz com que ela tenha a sua manifestação
verbal comprometida.
As pesquisas como as de Peixoto
(2006) apresentam que os primeiros sintomas dessa disfunção se tornam mais
claros por volta dos três anos de idade quando a criança começa a frequentar a
escola, podendo ser percebido normalmente pelo professor, que mesmo sem o
conhecimento do assunto observa a extrema timidez de seu educando que ao ser
convocado a interagir com os colegas não consegue se expressar verbalmente.
Durante o período de observação detectou-se
que sempre que a aluna tentava se comunicar, ainda que por meio de gestos, a
mesma era elogiada (como uma forma de reforço positivo), e o oposto quando ela
se recusava a qualquer forma de comunicação, sendo a mesma ignorada. Na relação
com os colegas também foi observado que em alguns momentos eles a tratam de
maneira pejorativa utilizando o apelido de “mudinha”.
O comportamento observado permite inferir
que o profissional de educação que está atuando
em sala de aula deve ter vigilância em relação a esse tipo de atitude dos
colegas com a criança que apresenta sinais de MS. Isso vale também para os
demais sujeitos (professores, equipe técnica e administrativa).
A criança que apresenta MS é dotada uma
necessidade especial de atendimento e como tal Mendes (2004, p. 228) afirma a
importância de:
Educar
crianças com necessidades especiais juntamente com seus pares em escolas comuns
é importante, não apenas para prover oportunidades de socialização e de mudar o
pensamento estereotipado das pessoas sobre as limitações, mas também para
ensinar o aluno a dominar habilidades e conhecimentos necessários para a vida
futura dentro e fora da escola.
Como
afirma o autor a garantia de acesso da criança com necessidade especial no
ensino dito regular é uma maneira de oportunizar a todos os alunos a interação
e a superação de determinados estigmas. No caso do MS a interação com os seus
pares é fundamental para auxiliar na superação dos problemas de comunicação.
Observou-se,
também, que os colegas tornaram-se intérpretes da aluna que faremos chamaremos
de RJ, como por exemplo, respondendo a chamada em seu lugar, pedindo para ela
sair para beber água, ir ao banheiro, entre outras coisas que eles entendiam
por meio da interação gestual. Esse comportamento, por mais que pareça uma ação
solidária dos colegas, acaba por tornar difícil romper esse “casulo” do
silêncio em que a aluna se encontra.
Já
no recreio, a aluna RJ não come a merenda da escola por não frequentar a fila,
há uma resistência em relação à comunicação com os sujeitos que servem a
merenda. A aluna é servida pelos colegas que frequentam a fila e levam o lanche
até a mesma. Ela brinca, faz gestos ou assovia para chamar atenção dos colegas
mais próximos, que lhe atendem prontamente. Há uma interação com os colegas,
porém não verbal.
Esse
processo de interação de acordo com as pesquisas Piaget (1994) é fundamental para a construção da autonomia moral dos sujeitos.
No entanto, ele ressalta que deve estimular uma participação ativa da criança,
ele acredita que nas interações que a criança faz com a comunidade ela vai
construindo seus valores e suas regras. A autonomia só aparece com
reciprocidade, quando o respeito mútuo é bastante forte, para que o indivíduo
experimente interiormente a necessidade de tratar os outros como gostaria de
ser tratado.
A
conquista das relações se dá por meio social de cooperação que a criança deve
estabelecer no decorrer de sua vida, não se pode sustentar um vínculo de
dependência. No caso da aluna em tela há momentos em que ela se mostra bastante
participativa, como foi observado em uma apresentação de grupo de dança no
festival da primavera apresentado na escola. Nota-se, então, que na escola, os
professores devem saber diferenciar a metodologia de ensino para que todos os
alunos sejam atendidos.
Santos (2013) relata que a maioria
das crianças diagnosticadas com MS têm competências comunicativas ditas
normais. Crianças que apresentam essa disfunção no ambiente escolar, em casa
conversam normalmente com os pais e brincam com os irmãos. No relato da fonoaudióloga
sobre a aluna RJ isso fica explícito:
Paciente,
RJ, seis anos de idade, compareceu ao consultório no dia, 04 de outubro de 2013,
acompanhada com a responsável. Ela foi encaminhada pela psicóloga, com a queixa
de que “em casa fala tudo e na rua não fala nada”. Durante avaliação
Fonoaudiólogica observou-se que a mesma apresenta todas as funções básicas para
a linguagem, tem noção de cor, de forma, de tamanho, ótima percepção espacial e
temporal, com relação à comunicação oral observou-se que o sistema
fonético/fonológico encontra-se dentro dos padrões de normalidade, emite e
compreende bem as palavras, possui atenção à fala ambiente. [...] Necessitando,
portanto, de acompanhamento para que seja estimulada a fala no nível social.
Diante do
exposto, necessita-se de exame complementar para a conclusão de hipótese
diagnóstica. (Relatório Fonoaudióloga, p. 01, 2013)
Quanto à duração dos sintomas é
variável e diversificada entre as pessoas que apresentam MS. O medo de
avaliação traz consigo consequentemente a inibição social, podendo afetar as
crianças ou os adolescentes no seu desenvolvimento.
O aluno mutista apresenta dificuldade
de manter contato visual, além de não se expressar verbalmente. Isso poderá implicar
no resultado da avaliação em sala de aula pelo professor e em seus processos de
aprendizagens. A criança pode ser promovida para a próxima série, mas
despercebida, pode tornar seu aprendizado comprometido ou mal avaliado.
Para enfrentar
esse problema, as práticas pedagógicas não podem ser fixas e devem ser planejadas
de acordo com as necessidades e características do alunado. É necessário,
portanto, que os professores saibam organizar situações de ensino aprendizagem
que possam atender, satisfatoriamente, a diversidade educacional que é
apresentada a partir da realidade cultural e social dos alunos.
No
entanto, no processo de observação percebeu-se que ao tomar á leitura a
professora pede RJ que leia em voz baixa e depois responda por escrito
mostrando o que entendeu da questão, o que a aluna atende prontamente, inclusive
escrevendo as respostas no quadro branco. Assim, a professora não faz com que a
aluna seja forçada a falar, elogiando seu esforço. Essa ação, no entanto, acaba
por corroborar a situação de timidez, quando deveria ser estimulado o processo
de comunicação verbal da aluna RJ.
Segundo
como Vygotsky (1994), o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e
um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles
que as cercam. Pois, com a influência de outras pessoas, os alunos que
apresentam uma deficiência, passam a desenvolver, habilidades, atitudes e
hábitos, que muito contribuem para a sua adaptação e sua aprendizagem. Isso
como maneira de suprir a necessidade ou limitação que apresentam naquele
momento.
Nas atividades em grupo RJ só observa e
responde por escrito, e por prestar atenção nas coisas que os colegas estão
fazendo, algumas vezes, demora a copiar e em determinados momentos acaba por
tocar o sinal da hora da saída, e assim nem sempre RJ copia ou responde toda a
tarefa.
A prática pedagógica observada não
tem contribuído para viabilizar a inclusão da aluna RJ, e superação do seu MS.
Segundo Carvalho, (2004, p. 44).
O
verdadeiro outro não está na sua manifestação externa, mas sim em seu potencial
(interno) de construir-se e reconstruir-se na medida em que nós,
intencionalmente, desejamos ou não, viabilizar-lhe o processo. O que se
constata, lamentavelmente, é que, nem sempre, são oferecidas as condições
necessárias para o desenvolvimento das potencialidades, o que seria a melhor
forma de autorizarmos a diferença no nosso convívio cotidiano.
No caso do MS não é investido na
potencialidade de comunicação do sujeito, com ações pedagógicas que possam
contribuir para o rompimento desse estado. A criança que apresenta dificuldade
de comunicação se senti sozinha em uma sala de aula lotada, cercada de pessoas
que poderiam estar interagindo com ela, mas que, na maioria das vezes, não
percebem nem sua presença. Isso poderá ocasionar grandes consequências
psicológicas para o resto da vida da pessoa que carrega esse fardo,
silenciosamente.
Uma vez
feita as considerações sobre o MS, a próxima seção irá abordar sobre a
invisibilidade do mutismo seletivo no ambiente escolar, que acaba não sendo
identificado como um problema pelo profissional da educação.
2. A invisibilidade do mutismo seletivo
como um problema observado em sala de aula
Durante as
observações feitas, no cotidiano de uma sala de aula de ensino fundamental, notou-se
o quanto a criança com MS pode se passar invisível pela visão do professor, que
geralmente leciona em uma sala de aula lotada. Inclusive valorizando um
determinado comportamento, quando ele deve ser diagnosticado e encaminhado para
tratamento especializado.
Sendo o professor
responsável pela turma, ele identifica os alunos que se comportam de maneira
inquieta e estes são os que dão mais trabalho em todos os contextos,
dificultando o trabalho do educador, exigindo mais atenção durante as práticas
pedagógicas. Logo, aqueles alunos que se comportam de forma quieta, disciplinada
não chamam atenção do professor.
A professora que trabalha na sala de aula observada que
denominaremos professora “A” enfatizou na entrevista que “a turma é
numerosa (30 alunos) e isso dificulta o seu trabalho. Os alunos são bastante
ativos e se desconcentram facilmente com brincadeiras e conversas paralelas.
Mas, RJ se mostra bastante disciplinada em relação à maioria, não participa de
conversas paralelas, brinca na hora da brincadeira e faz as atividades na hora
da aula.” (Entrevista com a professora “A”)
A professora
“A” descreve em seu relatório que “a aluna RJ, escreve seu nome completo,
possui autonomia ao fazer o uso da escrita com letra cursiva. Vale ressaltar, que
para a prática cotidiana sua grafia torna-se mais legível e mais independente.
Ler, escreve e compreende o significado de palavras e frases simples. Resolve
operações de adição com resultados de 0 (zero) a 20 (vinte). Resolve sentenças
matemáticas com nível de baixa dificuldade. Vale ressaltar que a referida aluna
assimila novos conteúdos com facilidade e significativa compreensão. Para
tanto, apresenta dificuldade para realizar operações de subtração. Permanece
uma criança alegre embora não se expresse verbalmente, nem com a professora nem
com os colegas, participa ativamente de todas as brincadeiras e atividades da
sala de aula. Sendo zelosa com o seu material de uso pessoal e coletivo. É uma
aluna simpática e de bom relacionamento com os colegas, professores e demais
profissionais da escola.”
Em ambos os relatos (entrevista e
relatório) a professora “A” considera que o fato da aluna RJ não se expressar
verbalmente não compromete o seu aprendizado. Ao mesmo tempo esse relato é
fundamental para indicar um possível diagnóstico de MS, conforme a descrição da
American
Psychiatric Association (1994, p. 149).
[...] o
diagnóstico para mutismo seletivo recai sobre um sintoma primário: fracasso
persistente em falar nas diversas situações sociais específicas (nas quais
existe a expectativa para falar, por exemplo, na escola), apesar de falar em
outras situações.
Esta possibilidade não é mencionada
no relato da professora. A ênfase de positividade que a professora “A” descreve
em relação ao comportamento de RJ pode ser um dos motivos que dificulta a mesma
identificar esse comportamento como um possível distúrbio.
As crianças com MS, por serem alunos considerados disciplinados,
costumam ser elogiados, mas com frequência obtém menos atenção do docente, por
estarem enquadradas em não fugir do que é estabelecido como norma. Por esta
razão, muitas vezes, um comportamento disfuncional no indivíduo disciplinado,
pode demorar a ser percebido e reforça a ideia de que o mutismo seletivo acaba
por ficar na invisibilidade. Esse
comportamento disciplinado faz com que os profissionais de educação simplesmente
se deparem com alunos mutistas em suas práticas pedagógicas, não sabendo
diferenciar uma simples timidez do que é considerado como distúrbio classificado
como “mutismo seletivo”. As crianças mutistas acabam por “passar em branco” sua
presença/ausência em sala de aula, pois não é notada como um problema.
Para o profissional de educação, o
educando se torna o exemplo de aluno “perfeito”, quando está sempre “obedecendo
as regras”, não se expressando, não manifestando opiniões, não fazendo “nada de
errado”. Ele acaba por ser praticamente invisível em sala de aula, absorvendo
informações e não as compartilhando, não socializando, não demonstrando o sofrimento
que sente por dentro. Nessa perspectiva os educadores e educandos podem nem sempre ser
solidários com os alunos mutistas, reforçando essa característica através de
formas pejorativas de reforço, como: elogiar o seu silêncio, chamar esse aluno
de mudo ou rindo quando o mesmo tenta se comunicar de alguma forma, ainda que
não intencionalmente.
No processo de observação esse comportamento foi identificado,
sobretudo no trato dos colegas com a aluna RJ, recebendo a apelido de mudinha,
como já mencionado (Relatório de observação, p. 2). Silva (2011/2012) enfatiza
que é comum os professores, perante situações desse gênero não saberem que
medidas tomar e acabam por ignorar o problema que tem diante de si.
Essa “omissão”, ou não intervenção, pode ocasionar prejuízos no
desempenho/aprendizagem do aluno. Esse, por sua vez, pode desmotivar-se e
prolongar a sua condição de objeção a participação no ambiente escolar, que no
caso do mutismo seletivo é representado pela não comunicação verbal. Necessita-se, segundo Silva (2011/2012), repensar uma pedagogia
que permita a motivação, a participação e o sucesso educativo de todos os
alunos. Não existem fórmulas educativas prontas para seguir. Assim, o professor
deve fazer o seu trabalho, adequando sua metodologia de acordo com as características
individuais de cada aluno, para que todos façam parte integrante da
aprendizagem.
3. Possíveis
métodos pedagógicos para amenizar os sintomas do distúrbio do aluno com MS em
sala de aula
O
trabalho do professor que observa uma criança com MS na sala de aula pode
centrar-se em métodos para auxiliar em diminuir a ansiedade, aumentar a autoestima,
a confiança e consequentemente a comunicação no contexto social, partindo
sempre do que a criança é capaz de fazer com ajuda.
As ações pedagógicas devem privilegiar o incentivo ao
aluno com mutismo seletivo a estabelecer uma interação de forma espontânea com
os adultos, colegas da escola, ou do seu meio social e familiar, expressando-se
verbalmente e respondendo de forma audível às perguntas que os interlocutores
lhe colocam e/ou interações que ocorrem no ambiente escolar.
Para Peixoto (2006), é sempre desejável que
se utilizem vários critérios sobre o comportamento verbal e sua avaliação em
situações distintas para que se tenha uma descrição mais exata da natureza e da
gravidade do mutismo seletivo.
Partindo
do conceito de mutismo seletivo como um transtorno pouco frequente que se caracteriza pela
ausência total e persistente da linguagem em determinadas circunstâncias, entende-se
que uma das formas de superá-lo consiste em buscar identificar e enfrentar as
situações sociais e comunicativas que o provocam.
No
ambiente escolar podem-se identificar inúmeras situações que indiquem a
produção de situações inibidoras, como: apelidos, situações de intimidação da
fala, risos, correções inoportunas de pronúncias, do modo de falar, entre
outras. A tarefa fundamental do professor será a de estabelecer métodos de
intervenção para que situações e atividades individuais ou em grupo possibilitem
a comunicação verbal da criança, de maneira que ela adquira segurança e
confiança nesse processo.
Para
Santos (2013, p.3):
Não se deve desistir de estimular a interação
verbal e a interatividade da criança, mas de forma alguma se deve fazê-lo
através de pressão, atitudes rígidas não compreensivas, nem de criar
sentimentos de culpa por uma atitude crítica ou evasiva com relação à criança
mutista.
O autor
ressalta que a prática pedagógica deve ser algo que estimule e incentive o
aluno mutista ao diálogo. As atividades não devem ser enfadonhas e nem
impositivas, a criança deve apreender de maneira espontânea a necessidade de se
comunicar no ambiente escolar e vislumbrar com essa ação um benefício ao seu
processo de socialização nesse ambiente.
No caso
de RJ a realidade descrita no processo de observação revelou que a aluna é reservada e extremamente tímida, não
respondia nem a chamada que a professora fazia. Mesmo sendo bem aceita pelos
seus colegas de turma, não verbaliza com eles, se comunicando através de gestos
(Relatório de observação, p. 2).
O
comportamento de RJ pode indicar um caso clássico de MS, pois segundo Coll
(2004, p. 88),
Há uma série de fatores que podem influir na
linguagem e na aprendizagem da criança, como a integridade sensorial, física,
intelectual e emocional. A maior parte delas está fora de controle dos
educadores. Estes devem procurar incidir sobre as variáveis que estão
efetivamente sob o seu controle. [...] Partir dos interesses, das experiências
e das competências das crianças, para ajustar os diferentes elementos da
linguagem aos conhecimentos prévios e às possibilidades compreensivas das
crianças.
Dessa forma, somente após uma
exaustiva avaliação e diagnóstico sobre o mutismo seletivo, o educador poderá
proceder com o planejamento de estratégias de atuação como: intervenção técnica
e práticas pedagógico-didáticas que possam colaborar para que a situação seja
enfrentada de maneira adequada.
No ambiente escolar, observar bem para que as avaliações
feitas às crianças mutistas, não se limitem em seus níveis acadêmicos, levando
em conta as suas dificuldades de verbalização e suas implicações no
desenvolvimento do QI ou potencial de aprendizagem escolar.
A participação da família, da escola (alunos,
professores, equipe pedagógica e demais sujeitos), de uma equipe especializada
em trabalho com crianças que apresentam Necessidades Educacionais Especiais
(NEE) e em conjunto com outros profissionais da área psicossocial, é
fundamental no acompanhamento e monitoramento de alunos que apresentam uma
determinada disfunção, como é o caso do Mutismo Seletivo.
O objetivo de uma ação conjunta é promover ações de
integração/inclusão das crianças com MS que deve ser considerado uma
deficiência a ser superada. Onde, o Parecer
nº. 17/2001, das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica, define que:
[...] quando os recursos existentes na própria
escola mostrarem-se insuficientes para melhor compreender as necessidades
educacionais dos alunos e identificar os apoios indispensáveis, a escola poderá
recorrer a uma equipe multiprofissional.
O caso de
RJ pode indicar o trabalho em rede (família, escola e serviço especializado) como
sendo uma ação importante. O relatório da professora e o relatório da
fonoaudióloga sobre o caso de RJ são enfáticos em destacar a necessidade de
desenvolver atividades que possam estimular a sua verbalização no ambiente
escolar.
Ao mesmo tempo é importante
solicitar que num caso como esse se deve evitar atitudes que possam expor a
criança ao constrangimento como, por exemplo, corrigir ou pedir que a criança
repita suas produções erradas ou incompletas, pois, tal atitude pode aumentar a
sensação de fracasso da criança e inibir a iniciativa de comunicação. Isso também
pode provocar situações de humilhação, disseminação ou bullying [5]
por seus pares. Nesse sentido o Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p.13 - 14) orienta que:
O modo como
os traços particulares de cada criança são recebidos pelo professor, e pelo
grupo em que se insere tem um grande impacto na formação de sua personalidade e de sua auto-estima,
já que sua identidade está em construção. Um exemplo particular é o caso das
crianças com necessidades especiais. Quando o grupo a aceita em sua diferenças
esta aceitando-a também em sua semelhança, pois embora com recursos
diferenciados, possui, como qualquer criança
competências próprias para interagir com o meio.
A partir dessa leitura observamos que a escola se
constitui em um espaço privilegiado de ação pedagógica onde devemos procurar encorajar
o uso da linguagem em diferentes situações. Valorizar a diversidade e,
sobretudo, lançar um olhar pedagógico que propicie a inclusão.
No caso das crianças com dificuldade de comunicação
elas podem sentir-se inseguras para praticarem atividades que exigem a
oralidade. Isso exige habilidade do professor em conduzir o processo de maneira
que a ação pedagógica seja trabalhada e não imposta ao sujeito, ou vista como
uma obrigatoriedade. O ato de se comunicar em ambiente em que RJ apresenta
rejeição deve ser estimulado como uma atividade prazerosa.
Salienta-se também que se deve buscar programar na dinâmica da aula, atividades que impliquem o contato físico entre as crianças (dar abraços), ou, desenvolver atividades em grupo onde o professor participa (jogo social e trabalho cooperativo). Como forma de criar um clima de segurança, aceitação e confiança favorável à comunicação verbal ao utilizar todos os meios que facilitem a compreensão da mensagem e do bom estabelecimento da interação comunicativa. Sob essa ótica Peixoto (2006, p. 28) observa que:
Salienta-se também que se deve buscar programar na dinâmica da aula, atividades que impliquem o contato físico entre as crianças (dar abraços), ou, desenvolver atividades em grupo onde o professor participa (jogo social e trabalho cooperativo). Como forma de criar um clima de segurança, aceitação e confiança favorável à comunicação verbal ao utilizar todos os meios que facilitem a compreensão da mensagem e do bom estabelecimento da interação comunicativa. Sob essa ótica Peixoto (2006, p. 28) observa que:
Teóricos da aprendizagem têm visto o comportamento não-verbal como uma resposta aprendida na qual a recusa em falar é um método de manipulação do ambiente. Ele sugere que o comportamento não-verbal é mantido por reforçadores sociais significativos como pais e professores.
A partir das observações apontadas
vale ressaltar a importância de manter uma estreita relação com a família para assegurar
o fluxo de informações e o ajuste de critérios e estratégias entre o contexto familiar
e escolar, como maneiras de fortalecer os vínculos e a segurança da criança que
apresenta MS no ambiente escolar.
No caso da família, torna-se fundamental
aprender sobre as aptidões e gostos dos filhos para dessa forma motivá-los em
seu desenvolvimento de interação em todos os ambientes que ele frequenta, para
que possa progredir tanto na escola como fora do ambiente escolar.
De
acordo com Kramer (1997, p.177)
Quando pensamos em educação, estamos falando das
diversas possibilidades que existem no dia-a-dia (escola, família, lazer, etc.)
de modificações através das interações que ocorrem nas diferentes situações de
uma pessoa. Estas interações engendram a prática educativa, pois constroem
novas situações e significações a cada experiência.
Percebe-se que o progresso da criança não tem que
ser paralelo em todos os contextos, pois exige uma contínua adaptação das atividades
à sua volta e em função da evolução conseguida em cada um deles. Para algumas
serão suficientes estas medidas, enquanto que para outras não produzem os
efeitos desejados. No último caso, se deve proceder com uma reavaliação de todo
o processo educativo e desenvolver um programa de intervenção mais específico. Nessa
perspectiva Peixoto (2006, p. 46) sinaliza que:
É essencial
captar diferentes fontes de informação sobre o comportamento da criança, tais
como: pais, professores, médicos e a própria criança, a fim de que se diminuam
as discrepâncias entre o que é dito e o que realmente acontece com a criança.
Todo o
sistema social da criança deve estar envolvido de forma apropriada no processo
de aprendizagem. O tratamento de um mutista seletivo severo deve ser
acompanhado por profissionais especializados na área da fonoaudiologia e da
psicologia. Quando necessário a psicoterapia, a terapia da fala ou
a psicofarmacologia podem ser importantes. Durante a avaliação fonoaudiológica observou-se que:
A paciente, RJ, seis anos de idade,
compareceu ao consultório no dia 04 de outubro de 2013, acompanhada com a
responsável. [...] Apesar de
olhar vagamente para as pessoas que estão falando, compreende ordens e
solicitações, copia e lê palavras simples, porem quanto ao nível de
desenvolvimento do processo de comunicação, observou-se que não existe
intencionalidade na comunicação com o outro, apresentando interação de
comunicação apenas no meio familiar, problema fundamentalmente comunicativo,
pois a linguagem está presente, porém não é utilizada em determinadas
circunstancias ou contextos. [...] Diante do
exposto, necessita-se de exame complementar para a conclusão de hipótese
diagnóstica. (Relatório fonoaudióloga, p. 01, 2013)
O próprio diagnóstico da
fonoaudióloga indica que RJ necessita de um acompanhamento e de outros exames
para confirmar o diagnóstico. Não se trata de uma ação isolada da escola, ou da
família para que o problema seja resolvido, mas uma ação conjunta.
No âmbito da análise do
método pedagógico como é proposto nessa seção, observa-se que a ação mais
adequada do professor que lida com uma criança que apresenta MS é proporcionar
a esse indivíduo condições para que ele interaja com seus pares e nos demais
ambientes da escola por meio do estímulo a verbalização. Ainda que seja
momentos específicos, ou situações específicas para que a criança ganhe
confiança e sinta-se segura para romper com esse comportamento adverso.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
O estudo apresentado foi realizado em uma escola de
ensino fundamental do município de Boa Vista. No decorrer do trabalho e a
partir dos levantamentos de dados, identificou-se uma criança que apresenta
características de MS.
Esse comportamento chamou a atenção e despertou a intenção
de realizar a pesquisa. A aluna RJ possui um comportamento introspectivo, que
pode ter sido originado por alguma relação traumática, por aspectos hereditários
ou até mesmo uma situação de fobia social. Todos esses fatores podem estar
associados entre si, ou serem de maneira isolada a causa desse possível
distúrbio.
Esse
estudo contribuiu para identificar a situação de uma criança que apresenta
características de MS, representado pela ausência seletiva de comunicação desse
sujeito no ambiente escolar. No entanto, essa sua condição não era vista pelo
profissional de educação como uma deficiência. O MS em sala de aula não resulta
no impedimento de outras formas de socialização com seus pares e no
estabelecimento das tarefas escolares, exceto as que exigem a expressão verbal.
Nesse
sentido baseado em Coll (2004), Peixoto (2006), Silva (2011/2012) que
contribuíram para a categorização do MS de maneira percebe-se uma
invisibilidade do problema que precisa ser rompida pelo próprio profissional de
educação, para que as ações de interação verbal da criança no meio escolar
possam ser estimuladas.
Para
amenizar a situação deve-se incentivar positivamente a criança em seu
aprendizado, através de jogos que estimulem a sua participação, contando
histórias, quando a mesma cometer algum erro, não fazer críticas negativas,
incentivando assim, que ela passe a interagir com os demais alunos da escola para
que dessa forma possamos auxiliar em uma possível melhora dos sintomas do mutismo
que tanto lhe causa transtorno.
Necessita-se fazer um trabalho integrado entre
pais, professores, fonoaudiólogos e terapeutas, que poderá possibilitar um
resultado mais eficaz, e dessa forma apontar aos indivíduos com MS uma maneira
de ultrapassar suas barreiras de dificuldade de comunicação e interação em seu
ambiente escolar melhorando sua vida social e, dessa forma, tornando-se uma
pessoa comunicativa com os demais sujeitos e qualificando o seu processo de
ensino e aprendizagem.
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